Ciência Aberta

Pegada oceânica

Dia 15/05/06. Corvo . 14:00h. Oficina Vamos Descobrir os Segredos do Mar dos Açores

“Voo tranquilo. Chegada à mais pequena ilha do Arquipélago dos Açores, o Corvo. Na bagagem levo memórias de infância desta ilha, contadas pela voz da minha avó, mas também uma pequena mala que irá contar às crianças da ilha, Segredos do Mar dos Açores. A expectativa é grande, pois agora é a minha vez de construir memórias no imaginário das crianças do Corvo. O propósito é claro, contribuir para que possam compreender melhor o Oceano que lhe está já entranhado no coração, como uma segunda pele. Como companheira de viagem está a Claúdia Rocha e reencontro também caras conhecidas de outras missões de trabalho a esta ilha e que nos ajudam a chegar ao local da atividade. É uma missão conjunta entre o Núcleo de Sensibilização Ambiental do Projeto OGAMP e o OMA. Quando chego ao local, a surpresa – estão à nossa espera as crianças com os olhos brilhantes e na mesma sala também com os olhos brilhantes, esbatidos pelo tempo, alguns dos idosos da ilha. Mudança rápida de estratégia, a atividade tem que abranger os dois público-alvo, as duas faixa etárias. Respiro fundo e lanço-me no desafio.“

O meu trabalho em Educação Marinha (EM) e em Comunicação das Ciências do Oceano (CCO), com o público-alvo Sénior começou em 1998, no Centro de Ciência Viva do Algarve (CCVAg). A recepção de grupos para explorarem a área de Biologia Marinha do Centro, levou-me a investigar sobre as estratégias de comunicação específicas para esta faixa etária. A minha inexperiência nesta altura, mostrou-se um excelente aliado, pois fez-me escutar mais do que falar e trabalhar os processos de Escuta Ativa. À própria comunicação estava inerente a troca intergeracional, a qual se fez naturalmente devido aos meus 24 anos. Depois lembro-me também de anotar registos comportamentais de famílias que apresentamvam o triângulo “pai-filho-neto”.

No Verão de 1998 e no projecto de voluntariado “Mar Azul” que desenvolvi na ilha do Faial, senti novamente a necessidade de cruzar o passado e o presente através de trocas intergeracionais. Desta vez, referentes à Baleação e à Ciência. E assim no Castelo de São Sebastião e à volta de um Caldo de Peixe, desenvolvi a acção “À Conversa com Baleeiros”.

Em 2004, em Castelo de Vide, no XXV Encontro Nacional de Educação Ambiental e durante a discussão das conclusões do Encontro senti a necessidade de focar a importância do trabalho com o público Sénior, nomeadamente com os avós.

Por outro lado, ao trabalhar com crianças e no decorrer das acções do projecto OGAMP, observei uma desigualdade de opiniões entre as crianças: aquelas que respeitavam o público Sénior; aquelas que não os respeitavam. E assim em 2004, criei as “Histórias da Avó” que foram contadas no espaço exterior da Expo MARÉ, com o objetivo da personagem servir de mediador e de captar a atenção dos mais novos para o papel da sabedoria, associada à experiência de vida.

A missão ao Corvo em 2006, que descrevo no extracto do meu diário de campo, realçou a diferença entre comunicar em meios pequenos e em meios grandes e repensar a importância da distância espacial na inclusão dos Seniores nos processos de EM. Até então a minha experiência de trabalho tinha sido quase sempre por via indirecta ou seja os avós constituiam um veículo de comunicação entre netos e filhos. No entanto, este papel parecia-me um tanto ao quanto redutor para os Seniores, pois outras questões surgiam: e os Seniores que não são avós?; e os avós que não são Seniores? Claramente que no trabalho em EM o papel dos avós é importante, não só como canal mas também, como receptor para a amplificação da mensagem. No entanto, as metodologias de inclusão para os grupos Seniores, tornavam-se igualmente uma necessidade.

Volto a trabalhar com Seniores no dia 8 de Junho de 2008, onde organizo visitas ao CIMV, na ilha do Faial. Aqui ficou demonstrada a importância do trabalho com este grupo por si só. A importância do acesso à informação para a construção de decisões informadas; a importância do contacto com a tecnologia e do experimentar um simples clique no rato de um computador. A necessidade efectiva de trabalhar a EM com este público-alvo.

Em 2011 iniciei o desafio de dar uma aula à Universidade Sénior, no Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, integrada no âmbito da Disciplina do Mar dos Açores. E este desafio tem vindo a suceder-se anualmente. Depressa a aula, com o decorrer dos anos, transformou-se numa conversa sobre a ciência do Oceano e da Vida. Foram abordadas as ferramentas de participação pública que estão ao acesso dos Seniores. E a conversa mais animada foi a que versou a temática dos mitos científicos. A desconstrução de que o cientista não é um ser com certezas absolutas e que na própria ciência também se cristalizam mitos, os quais nascem do ruído da comunicação entre o cientista e o público.

Em 2012, voltei a trabalhar no âmbito dos Centros de Ciência. E no Centro de Ciência do OMA encetei contactos com as Juntas de Freguesia, para a marcação de visitas Seniores, afinal estavamos no ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade Entre Gerações. Como resultados mais de 50 Seniores contactaram com os módulos da Água e do Ar da exposição temporária “Ver o Clima nos Ombros de Gigantes…” e puderam em simultâneo visitar a Fábrica da Baleia de Porto Pim, onde as memórias se tornaram vivas. Os Seniores puderam experimentar; puderam mexer; puderam restabelecer ligações com o passado e o presente; com o senso comum e a ciência. E quanto a mim, a troca é real. Pois com eles aprendo sempre mais e descubro sempre mais alguma coisa para investigar.

Em 2013 e no Centro de Ciência do OMA lancei-me a mais um desafio e desenhei o Programa “Ciência ao Longo da Vida”. Com a co-organização da Câmara Municipal da Horta o programa abordou a Biodiversidade Marinha dos Açores e culminou com a organização da primeira Feira de Ciência Intergeracional, realizada na ilha do Faial. Mais de 150 seniores e crianças participaram. Para mim, percorrer as freguesias e dar apoio aos diferentes grupos de seniores para organizarem a sua banca e dinamizar a própria feira, foi extremamente gratificante. Aprendi mais sobre a vida e o verdadeiro objectivo da ciência naquelas horas do que em muitos congressos a que fui. A semente ficou lançada e espero que no futuro este programa continue a crescer, comigo ou sem mim, mas que continue a levar ciência e esperança aos seniores dos Açores.

Referência Web:

Gomes, C. (2013). Ciência ao Longo da Vida. Blog – Pegada Oceânica. carlagomes.pt

Veja mais em Turnover Oceânico
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Notas de Rodapé:

Nota1. OGAMP – Ordenamento e Gestão de Áreas Marinhas Protegidas (IMAR-DOP/UAÇ).
Nota2. OMA – Observatório do Mar dos Açores.
Nota3. CCVAg – Centro de Ciência Viva do Algarve.
Nota4. Expo MARÉ – Exposição do IMAR-DOP/UAÇ patente na Fábrica da Baleia de Porto Pim (2003-2006).
Nota5. CIMV – Centro Virtual de Interpretação Marinha dos Açores (2007-2013).

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